Decorridos nove meses sobre a estreia da revista à portuguesa “Parabéns, Parque Mayer!”, em cena no palco do Teatro Maria Vitória, entrou esta semana nas suas derradeiras apresentações ao público, em pleno coração do lugar emblemático e icónico que é o Parque Mayer, o Teatro Maria Vitória. Ali, onde ainda hoje se luta pela revista à portuguesa, mantendo um público fiel que naquela sala, ainda que velhinha e a precisar de uma enorme renovação, alimenta ainda assim as suas memórias e procura olhar para a realidade contemporânea, observada ao jeito distinto daquela forma bem especial que é permitida exatamente pelo teatro de revista, discute-se afinal, até em palco, se a revista à portuguesa terá já morrido, ou se pelo contrário, bem impulsionada e devidamente apoiada, tem espaço para singrar e até renascer.

Olhando para a realidade do Parque Mayer, encontramos por ali um local emblemático situado na cidade de Lisboa, conhecido pela sua longa tradição teatral e de revista à portuguesa, ainda que seja hoje um espaço mais destinado à exploração do estacionamento urbano por parte da EMEL - Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, do que à atividade cultural que deveria ser o seu polo principal de funcionamento.

De tal forma assim é, que quem quiser ir assistir a um teatro de revista ao Maria Vitória (ou a um qualquer outro espetáculo no Capitólio) numa noite em Lisboa, o mais certo é não poder estacionar no Parque Mayer, mesmo encontrando-se o parque visivelmente disponível em lugares e espaço, simplesmente porque contam como ocupados os espaços daqueles que, durante o dia, têm lugares pagos mensalmente por avenças à EMEL. Claro está que com isto penaliza-se o teatro e a cultura já que aqueles que poderiam ter algum conforto nas idas a um qualquer espetáculo, saindo das suas casas e estacionando junto à sala de espetáculo, mesmo pagando esse estacionamento à EMEL, são atirados para fora do Parque Mayer e dificilmente conseguem lugar para estacionar os seus veículos, em Lisboa, em artérias como a Avenida da Liberdade ou zonas como o Príncipe Real, só para referir dois locais mais próximos do Parque Mayer.

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A moderna e sensacional Revista do Centenário

Esta quinta-feira, ainda que com bem menos de metade da sala do Maria Vitória preenchida, a animação e a entrega do público foi uma constante, como constante foi a comunicação entre os atores e a plateia. E se é verdade que na assistência apenas uma jovem de 14 anos, fã assumida da revista à portuguesa, contrastava com todos os outros espectadores, todos acima (ou muito acima) dos 30 senão mesmo dos 40 ou 40 e muitos anos, nem por isso o entusiasmo baixou a cada cena mais divertida ou a cada aplauso sem dúvida merecido pelos artistas em palco, desde os mais consagrados, como o Paulo Vasco, o Miguel Dias, a Sofia de Portugal, a Cátia Garcia ou a enorme Cidália Moreira, até aos mais jovens, nomeadamente a Bea Moreira, o Marcos Marques, o André David Reis ou a pequena só no tamanho porque enorme no talento Teresa Zenaida.

Sem querer dar qualquer spoiler para quem ainda for assistir nos últimos dias a esta revista à portuguesa, garanto que o principal remédio para qualquer dor de cabeça serão as boas gargalhadas que irão certamente dar, e não o ben-u-ron de que a certa altura se fala no palco. Ainda assim, por entre as gargalhadas e os momentos divertidos, ficam também momentos em que somos convidados a pensar, nomeadamente refletir sobre o porquê de apoios tão diminutos ou mesmo inexistentes a atos de cultura como é a revista à portuguesa, isto quando se dão por vezes subsídios a tanta coisa que nem chega a ter impacto junto do público, ou que simplesmente nem tem público.

Somos ainda convidados a refletir e a recordar todos aqueles, e foram tantos, cujos nomes são ainda hoje lembrados e que encheram de cor e luz as noites do Parque Mayer, um espaço inaugurado a 15 de junho de 1922 como um espaço de entretenimento ao ar livre, inicialmente um local para passeios, com um jardim e áreas de lazer, que rapidamente se tornou num polo de cultura teatral e de espetáculo na cidade de Lisboa. Ao longo dos anos, o Parque Mayer tornou-se o epicentro do teatro e da revista à portuguesa em Portugal, um género de espetáculo teatral tradicionalmente português, caracterizado por sátiras políticas, sociais e culturais, humor e música.

O Parque Mayer tornou-se assim num verdadeiro ponto de encontro para artistas, escritores, músicos e o público em geral, testemunhando o surgimento e a consagração de muitos nomes imortais da cultura portuguesa, do teatro e do espetáculo, como Beatriz Costa, Vasco Santana, Raul Solnado, Ivone Silva, Laura Alves ou Eunice Muñoz, entre tantos e tantos outros que pisaram os palcos do Parque Mayer contribuindo para a riqueza e a diversidade da cultura teatral portuguesa.

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Parque Mayer... local histórico e com História!

Em pleno coração da cidade de Lisboa, onde os habitantes comuns têm vindo a ser substituídos aos poucos por uma população cosmopolita e flutuante ao jeito da oferta e da procura do alojamento local, com um hostel a cada esquina e onde a oferta e a procura do airbnb dita quem é que dorme a cada noite na cidade, espaços como o Parque Mayer vão sendo literalmente engolidos, com a cidade a perder a identidade e as suas tradições. Afinal, estamos perante um espaço que ao longo de décadas enfrentou desafios e transformações e que continua a enfrentar esses desafios porventura mais fortes do que nunca.

Durante o Estado Novo, regime autoritário que vigorou em Portugal de 1933 até à revolução do 25 de Abril 1974, a censura e as restrições impostas afetaram o conteúdo e a liberdade artística dos espetáculos no Parque Mayer, onde se procurava ainda assim contrariar a rir aquilo que por vezes dava verdadeira vontade de chorar.

Nos anos mais recentes, o Parque Mayer passou por um período de renovação e revitalização, mas obras infindáveis complicam a reafirmação de um espaço que ainda corre o risco de se perder, com consequências trágicas para a cidade de Lisboa e nomeadamente para a sua identidade cultural. Para trás, entretanto, fica uma verdadeira Era de Ouro da revista à portuguesa, nomeadamente nas décadas de 1940, 

1950 e 1960, quando surgiram e se destacaram grandes nomes do teatro e da comédia portuguesa, como Beatriz Costa, Vasco Santana, Raul Solnado e Ivone Silva. Esses artistas encenaram espetáculos de revista inesquecíveis e cativaram o público com sua energia e talento.

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Teatro Maria Vitória... o coração do Parque!

Mantendo a sua atividade ao longo de todos estes anos, o Teatro Maria Vitória pode ser considerado o coração do Parque Mayer, a bombear o sangue da cultura e com isso renovando-o a cada revista que Hélder Freire Costa, o seu responsável desde 1975, consegue colocar em palco, desempenhando este espaço um papel fundamental na história do Parque Mayer, contribuindo para sua reputação e sucesso.

Não estamos, como aliás já referi atrás, perante uma sala particularmente confortável, e posso garantir por experiência própria que uma pessoa com 1m90 tem alguma dificuldade em permanecer sentado na plateia do Maria Vitória, onde o espaço entre filas é particularmente curto.

O melhoramento das condições de toda a infraestrutura é necessário e poderemos até dizer que se exige de forma urgente, mas será fácil compreender que os custos de tais melhoramentos são proibitivos se não existirem apoios de quem tem a obrigação de apoiar a Cultura, sendo certo que uma paragem da atividade implica o risco de que seja uma paragem definitiva na revista à portuguesa, nomeadamente se não houver garantias que não estaríamos perante mais uma obra infindável de Santa Engrácia sem uma alternativa credível durante o tempo das obras.

Assim, entre as obras impossíveis, e o não fazer obras mas permitir a continuidade da defesa da cultura, vai vencendo a batalha pela revista à portuguesa. O Teatro Maria Vitória continua assim a bombear o sangue da cultura, assumindo-se como um coração vivo, mas segue como que assistido a um pacemaker permitido pela garra dos atores que quase diariamente sobem ao palco do Maria Vitória para continuarem a oferecer ali o seu trabalho e a sua dedicação a uma Cultura que é de todos nós.

Inaugurado em 01 de julho de 1922, surgindo como o primeiro espaço teatral do Parque Mayer, este teatro, que tal como o Parque Mayer celebrou em 2022 o seu centenário, recebeu o seu nome em homenagem a Maria Vitória, rainha consorte de Portugal durante o reinado de Dom José I, prosseguindo hoje como um local icónico e ímpar, de grande importância e tradição no panorama teatral português. Outra versão, porém, justifica entre as gentes do teatro a escolha do nome desta sala, alegadamente a propósito de uma fadista e atriz de origem espanhola, muito azougada e por isso com muita fama, exactamente de nome Maria Vitória, a qual, pela vida boémia que levava faleceu muito jovem com pouco mais de 20 anos. Ora, sendo os primeiros donos do novo Parque Mayer pessoas fãs do teatro e da revista, quando iniciaram a exploração do recinto, como feira, logo pensaram e criaram um Teatro a que resolveram dar o nome de Maria Vitória em homenagem à jovem artista, versão particularmente aceite por aqueles que defendiam a causa republicana e que desse modo afastavam qualquer ligação a um passado monárquico.

Certo é que desde a sua abertura e até hoje, o Maria Vitória tornou-se um Teatro de grandes tradições revisteiras, pelo que é procurado por imensos excursionistas que do Minho ao Algarve encontram aqui a garantia de passarem uns bons momentos com os seus prestigiados espectáculos e artistas com um cunho de qualidade inegável que mantém viva a revista à portuguesa. Também aqueles que vivem na diáspora portuguesa, quando regressam até nós e visitam Lisboa fazem questão de visitar o Teatro Maria Vitória, casa tradicionalmente conhecida pela Catedral da Revista onde lembram memórias e revivem tradições.

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Estará a morrer a revista à portuguesa?

A diminuição da popularidade do teatro de revista ao longo dos anos pode ser atribuída a uma combinação de fatores sociais, culturais e mudanças nos gostos e preferências do público. Afinal, o teatro de revista tradicional muitas vezes aborda temas e formas de entretenimento que podem não ser tão atrativos para as gerações mais jovens. A título de exemplo, a mesma jovem de 14 anos de que falo em cima que é fã da revista à portuguesa, não deixou de fazer o reparo a propósito desta revista que a mesma tem uma aposta em demasia no fado, com a agravante de que, compreensivelmente, ela só identificou dois ou três fados como conhecidos.

Percebe-se por isso que o público pode estar procurando experiências teatrais diferentes, como peças contemporâneas, musicais ou formas de entretenimento digital. Depois, os avanços tecnológicos e a disponibilidade de entretenimento em várias plataformas, como cinema, televisão, streaming e até redes sociais, criaram uma concorrência significativa para o teatro de revista. As pessoas têm uma ampla gama de opções de entretenimento e podem preferir outras formas mais acessíveis e convenientes.

Os custos e a sustentabilidade financeira surgem como outro obstáculo. Afinal, a produção de espetáculos de revista pode ser cara, nomeadamente se envolver cenários elaborados, figurinos, elenco extenso e outros custos de produção, sendo por tudo isso a sustentabilidade financeira do teatro de revista um desafio para quem ainda coloca em palco estas produções.

Além disso, será preciso evoluir por forma a que alguns elementos do teatro de revista tradicional, como humor, sátira e estereótipos, consigam alinhamento com as sensibilidades e expectativas contemporâneas. Contudo, é certo que o teatro de revista ainda tem seu lugar e continua a ser apreciado por muitos, mesmo sendo necessário por vezes adaptações e renovações no formato, incorporando elementos mais contemporâneos e abordando questões atuais, de modo a atrair novos públicos e manter a tradição viva.

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Hélder Freire Costa... sinónimo de convicção ímpar!

Nome relevante no contexto do teatro de revista e, mais especificamente, como responsável pelo Teatro Maria Vitória, Hélder Freire Costa, aos 82 anos (nascido a 23 de Abril de 1941) e natural de Lisboa, antiga freguesia de Santos-o-Velho, hoje integrada na nova freguesia da Estrela, tendo sido por aquela homenageado com uma festa e uma exposição em 2013, tendo-lhe sido atribuído, por aquela altura, o "Prémio Madragoa Bairro Histórico", em 2013, é um conhecido empresário e produtor, reconhecido pela sua dedicação à revista à portuguesa e pelo seu trabalho no Teatro Maria Vitória. De 1964 até 1975, esteve no Teatro como secretário das Empresas de Giuseppe Bastos, saudoso empresário teatral, que chegou a ter sociedade com Vasco Morgado nos Teatros Variedades, Maria Vitória e Capitólio.

Como responsável por esta icónica sala de espetáculos, Hélder Freire Costa tem contribuído para a preservação e revitalização deste género tradicional do teatro português que é a revista. Para isso trabalhou ao longo dos anos com diversos artistas, escritores e músicos para criar espetáculos de revista que mantiveram viva essa tradição, ao mesmo tempo em que incorporaram elementos contemporâneos e abordaram questões atuais.

Hélder Freire Costa é reconhecido por seu trabalho em manter o Teatro Maria Vitória como um espaço de referência para a revista à portuguesa, permitindo que essa forma de entretenimento continue a ser apreciada pelo público em Portugal. Numa altura em que tantas salas de espetáculo teatral em Lisboa encerraram ou foram demolidas, resultando na perda de espaços culturais importantes, como, só a título de exemplo, o Teatro Variedades, encerrado em 1992, o Teatro Monumental, demolido em 1991, ou o Teatro Vasco Santana, que desapareceu com o encerramento e demolição da Feira Popular de Lisboa, Hélder Freire Costa tem conseguido de uma forma quase hercúlea manter o Teatro Maria Vitória como espaço ímpar na cidade de Lisboa, uma capital que continua a ser um centro vibrante para as artes cénicas, com várias salas de espetáculo e teatros ainda em atividade, incluindo o Teatro Nacional D. Maria II, o Teatro Nacional São Carlos, o Teatro da Trindade, o Teatro Aberto, o Teatro da Comuna, o Politeama ou Cinearte entre outros.

E se é normal que haja transformações na paisagem cultural de uma cidade ao longo do tempo, é igualmente importante que se façam todos os esforços para preservar e promover as artes cénicas, garantindo que o público continue a ter acesso a espetáculos teatrais de qualidade. Isso mesmo tem sido feito ao longo de décadas, no Parque Mayer, pelo Teatro Maria Vitória e pelos profissionais que ali trabalham, nomeadamente o seu responsável principal Hélder Freire Costa, um homem que resolveu dar os “Parabéns, Parque Mayer!” mas que também ele, sem qualquer dúvida, e através dele aqueles que com ele trabalham, está este homem de parabéns e merece ver reconhecido o seu trabalho... Parabéns Hélder Freire Costa!

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texto: Jorge Reis
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