Jorge Mário da Silva, nascido em Belford Roxo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, a 8 de Junho de 1970, é conhecido por todos como Seu Jorge, cantor e compositor mas também actor, alguém que mantém uma conversa como canta, com o coração aberto e um sorriso no rosto.

Músicas como “Burguesinha” ou a “Amiga da minha mulher” são cartões de visita deste músico brasileiro com quem fomos conversar depois de mais um espectáculo, desta feita no Casino Estoril, onde encheu o Salão Preto e Prata em duas noites seguidas com duas actuações distintas e sem guião estabelecido. Na segunda noite, sábado, 22 de Junho, e ao contrário do que acontecera na véspera, começou o concerto sozinho, num registo mais intimista, sem os seus músicos em palco, algo que justificou pela vontade de “poder sentir a música”.

Para além do som, luzes e a vibração própria do espectáculo, Seu Jorge rapidamente percebeu a receptividade da plateia naquela sala: “O público estava muito receptivo, também porque as pessoas aqui são de ouro mesmo, um público de outro mundo, interessado na música, a quererem participar da melhor maneira, querendo participar mas sem querer atrapalhar, e isso é tão bonito.”

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– Ficou a convicção ao longo dos dois espectáculos que acompanhámos no Casino Estoril que existe uma identificação muito grande com o público português...
– Sim, as nossas culturas são muito próximas, os nossos países são irmãos, e Portugal foi o primeiro país que visitei quando saí do Brasil. Vim para Portugal e voltei, e o curioso é que, nessa altura, quando regressei acabei por ir para o sul da Bahia, fazendo a ligação entre os pontos de onde Cabral partiu e, de acordo com os historiadores, onde chegou no Brasil.

Viajei nessa altura para Portugal em 1998, onde estive durante três dias na primeira vez em que saí do meu país, no Porto, e lembro-me que estava frio, mas era um frio elegante. Encontrei uma realidade que ia ao encontro da forma como eu imaginava a Europa, mas melhor. Recordo aqueles casacos que era impossível eu imaginar. Hoje é muito comum mas, naquela altura, viajei desde o Brasil, um país “quente p’ra burro” onde não neva, e cheguei aqui na Europa com frio mesmo, todo o mundo com muitos casacos, e eu fixei aquela imagem.

– No primeiro dos dois concertos no Casino Estoril, em diálogo com o público, fez questão de frisar os prémios que Portugal tem conseguido, nomeadamente como melhor destino turístico...
– Fiz questão de frisar porque é um feito maravilhoso num tempo em que nenhum lugar do planeta está a conseguir se acertar. Tem que se comemorar esta capacidade. Foi muito triste no passado quando a crise chegou na Europa e afectou directamente aqueles que trabalharam durante anos para ter o seu momento de descanso e de repouso. Agora mesmo estamos vivendo um momento no Brasil em que se vê um clamor muito grande, com boa parte da sociedade a exigir a reforma da previdência, e eu comparo o Portugal daquela época com o Brasil de hoje. Aliás, não foi só Portugal mas também a Grécia, a Itália, a Espanha, todo o sul da Europa, como hoje acontece com grande parte da América do Sul, com a Venezuela a viver uma enorme crise, o Brasil afectado por uma crise económica ou a Argentina. E a verdade é que eu vejo que Portugal se saiu muito bem daquele período, ultrapassando um desafio muito grande.

– A música do Seu Jorge é intervencionista? Em “Melodrama” aborda questões porventura complicadas no Brasil como a vida nas favelas e a crise de valores na sociedade...
– Vivemos um tempo em que há que combater todas as forças que se levantam contra a diversidade. Todos suportamos as ideias que legitimam causas como a da mulher, a causa do homossexual nos seus direitos civis e de escolha, o seu direito de expressão, e eu clamo pela liberdade, pela democracia, pela tolerância, pelo entendimento e o diálogo. É importante a intervenção da poesia nesse sentido, até porque os poetas também têm o seu olhar sobre o espaço concreto da vida real e da sociedade.

– Em Portugal há música com alguns anos que diz que a cantiga é uma arma (tema de José Mário Branco). Será mesmo assim?
– Diria que é um escudo. A música é um grande escudo com o qual podemos combater a ignorância, a intolerância. Eu vejo a manifestação da música, da alegria e da emoção que provoca e convoca, e isso sim pode ser uma arma poderosa, mas não é uma arma letal. É uma arma de vida, que traz energia, que traz oxigénio para as pessoas e não retira essa oxigénio vital.

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– Seu Jorge define-se como cantor ou como o actor que também é?
– São disciplinas diferentes. Diria que me classifico como um artista de expressão, enquanto a arte me puder proporcionar a possibilidade de me exprimir. A arte é plural, seja da fotografia, do cinema, do texto ou das artes cénicas no palco ou fora dele, da pintura ou da escultura, e enquanto me puder expressar nos vários braços que a arte permite vou querer considerar-me um artista de expressão.

– Vem aí um novo disco?
– Vem aí um novo disco chamado “The other side” e estou muito feliz. É um álbum de intérprete, tem apenas um tema autoral que eu tive o prazer de gravar com o Arnaldo Antunes e a Marisa Monte, em que a Marisa me deu a honra e a alegria de poder cantar ao lado dela, num disco que também tem a participação da Maria Rita. Gravei ainda uma canção do cantor e compositor inglês Nick Drake e estou muito feliz com esse álbum, ansioso por o poder publicar no Youtube. É um disco em que estou com esta mesma formação que me acompanhou aqui no Estoril, um trabalho que completa um ciclo de trabalho iniciado há dez anos, e deve chegar ao público em Outubro.

– Deixou o Brasil para viver em Los Angeles... com que país se identifica?
– Sem dúvida que me identifico com o meu país, o Brasil, mas é uma experiência boa morar em Los Angeles. Também passei um bom período aqui, não só em trabalho como em repouso, tive a oportunidade de trazer a minha mãe na primeira vez em que ela deixou o Brasil, veio para Cascais comigo...

– Seu Jorge gosta muito de Cascais...
– Sim, na verdade amo Portugal e em qualquer região é lindo, acolhedor. Sou por isso fã deste país, mas Cascais foi uma coisa diferente e vou ter para sempre a memória da primeira viagem da minha mãe, que nunca esperou sair do seu país e conhecer um país diferente e veio conhecer Portugal, ela que, à beira de fazer 80 anos em Outubro, pertence a uma geração que conviveu com os portugueses que fundaram a sua vida no Brasil, e tem muita gratidão porque muitos nos ajudaram de alguma forma na comunidade em que vivemos. Ter proporcionado isso para ela foi uma realização muito pessoal e Cascais fica marcado para mim por conta desse evento.

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– Quem é a “Burguesinha”, sempre um tema forte junto do público?
– Em certa ocasião, quando fiz um disco com a Ana Carolina, essa música foi um sucesso, com passagem constante na rádio. Surgiu então o disco América Brasil (2007) em que eu quis comunicar com as pessoas e para o qual criámos algumas personagens. A burguesinha era isso mesmo, uma personagem que nos permitia uma observação dos comportamentos dessa menina, alguém que passa o dia todo “malhando”, que “posta” ao longo de todo o dia o seu treino, e naquele momento eu percebi que havia esse tipo de pessoa, mas era apenas uma personagem. Aliás, apareceram por essa altura outras personagens... a “Amiga da minha mulher” surgiu por aí, a “Velha”, a “Doida” que é essa moça que aparece, seduz o rapaz e de repente desaparece e já foi, tendo aquele disco começado a divulgar essas personagens que até poderiam estar numa trama de uma novela.

– Curiosamente, Seu Jorge afirmou recentemente numa entrevista que não terá sido mais conhecido na sua faceta de actor porque nunca integrou o elenco de uma novela...
– Eu tive muitas oportunidades de fazer novela, e talvez gostasse de ter experimentado, mas o tempo de gravação de uma novela é muito grande, e para o entendimento da forma como funciona uma novela acho que talvez esteja mais preparado hoje do que estava quando tive essas oportunidades. Eu nunca tive naquela época muita habilidade para “estar lá”, tinha a minha música, os meus discos, e tinha que parar tudo durante muito tempo para me dedicar a esse mundo, e isso acabou por nunca acontecer. Hoje sinto-me diferente, até porque acabei de experimentar uma coisa que está longe de poder ser comparada com novela, até porque está muito mais perto do cinema, a gravação de uma série para a Netflix, na primeira temporada da qual recebi o guião de muitos episódios, e é mais ou menos como eu imagino que a novela deve ser.

– Para onde caminha o Seu Jorge?
– Em busca da beleza, da inspiração. Através da inspiração e da criação, busco elementos que me inspirem, motivem, estimulem, e que me tragam energia para continuar a fazer a música e ter energia para viajar pelo mundo levando essa música. Pessoalmente, caminho para esse lugar, em busca pela paz de espírito e a beleza, seja a beleza no trabalho, na forma, na música, na poesia ou no gesto.

Obrigado Seu Jorge!

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entrevista: Jorge Reis
fotos: Carlos Rodrigues
edição vídeo: Diogo Reis

A LusoSaber agradece ao Casino Estoril as condições permitidas para a realização da entrevista a Seu Jorge
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