CavacoSilva04Cavaco falou hoje aos portugueses surpreendendo pelo discurso feito a partir de Belém. Os portugueses ficaram atónitos e esperam pelo dia de amanhã, mas Cavaco, afinal, olha bem mais longe . Quando Paulo Portas apresentou a sua demissão na passada semana e, na sequência disso, quando Passos Coelho recusou aquela demissão em nome da necessidade de estabilidade para o país, muitos comentadores políticos dos mais diversos quadrantes vieram a terreiro dizer que estávamos perante uma guerra ao estilo das “jotas” em palcos de congresso, com poucos interesses pelo país e um número muito superior de interesses políticos e partidários.

Coelho e Portas cozinharam uma solução política e apresentaram um novo figurino político a Cavaco Silva que, muito mais experiente, sabido e consciente, resolveu finalmente assumir as rédeas do comando do país para o colocar naquilo que entende ser o caminho, através de um “compromisso de salvação nacional”, mas aproveitando para, ao mesmo tempo, fazer rolar várias cabeças, nomeadamente daqueles que nos últimos anos estiveram contra Cavaco.

Analisando o discurso do inquilino de Belém, começamos desde já por ver com facilidade que Cavaco não acredita nas capacidades de Passos Coelho e Paulo Portas para levar o país a lado algum, motivo pelo qual passou olimpicamente por cima da remodelação para o actual governo sem sequer se referir a ela. Deste modo, o Presidente da República queima de vez, esturrica mesmo, duas figuras, Passos Coelho e Paulo Portas, que sempre estiveram em lados diferentes das barricadas políticas relativamente ao próprio Cavaco Silva.

Só que Cavaco Silva não quererá deixar sem apoio os barões do PSD, aqueles que com ele estiveram à frente do partido mais votado nas últimas eleições e que poderão suceder a Passos Coelho, uma vez mais, quando este cair num próximo acto eleitoral, cumprindo afinal um cenário mais do que provável. E se o primeiro-ministro de Massamá ganhou a liderança do PSD deixando para trás muitos desses barões, haverá agora quem pretenda passear sobre a tumba política do ainda inquilino de São Bento.

Depois, para além de atirar para a fogueira política o líder do PSD, continua a esturricar os seus adversários de sempre, nomeadamente Paulo Portas, o líder do CDS-PP que nunca morreu de amores por Cavaco Silva e que terá agora que engolir um sapo do tamanho do mundo, ou, ao invés, sair a terreiro contra esta posição de Cavaco, sendo certo que em qualquer um dos cenários não sai bem na fotografia, sendo um líder a prazo no cenário político e dentro do seu próprio partido. Afinal, com esta “nega” à remodelação do Governo, Cavaco impede que os portugueses esqueçam que esta crise foi levantada pelo próprio Paulo Portas ao demitir-se.

Mas Cavaco não se limita a queimar os líderes do PSD e CDS-PP. Ao pretender uma solução a três, chamando ao tal “compromisso de salvação nacional” o Partido Socialista, o Presidente da República vem lembrar que foi durante a governação socialista de José Sócrates, outro dos seus inimigos de estimação, que Portugal teve que assinar um memorando de ajustamento com a troika. António José Seguro, naturalmente, não lhe interessa aceitar este repto de Cavaco, porque sabe que uma solução concertada a três até Junho de 2014 irá diluir diferenças eleitorais numa próxima ida às urnas dos portugueses.

É aqui que surge outro “golpe” de Cavaco Silva. Se é verdade que uma solução de salvação nacional participada pelos três partidos será, porventura, a melhor forma de conseguir dar resposta às necessidade do país, ou talvez a forma de nada se fazer porque não serão possível políticas de ruptura com o passado, também é verdade que esta solução agora proposta por Cavaco permitirá a salvação do PSD num futuro acto eleitoral. Manter no governo sociais-democratas e populares no actual governo, só levará a que estes dois partidos continuem a afundar-se em termos de imagem política, deixando ao PS um caminho bem mais tranquilo (e vitorioso) num próximo acto eleitoral.

Ao invés, se o PS for chamado desde já a assumir responsabilidades, todos ficarão em igualdade de circunstâncias para as eleições que Cavaco já disse serem possível em 2014, sendo certo que, nessa altura, políticos como Passos Coelho, Paulo Portas, ainda António José Seguro ou o próprio José Sócrates, já estarão de tal modo esturricados que não terão espaço de manobra para continuarem na ribalta. O PSD poderá assim ressurgir das cinzas se alguém da área de Cavaco Silva conseguir pegar no partido então deixado por Passos Coelho.

António José Seguro, consciente desta realidade, irá pretender ficar de fora desta solução de salvação nacional, porque sabe que tem tudo a ganhar em deixar para o PSD e o CDS-PP o ónus de governarem em cima da fogueira das dificuldades, mas Cavaco Silva tem a seu favor o facto de estar a chamar Seguro para uma missão patriótica para o qual o líder do PS não terá como explicar uma eventual resposta negativa.

Aos que vinham dizendo que Cavaco Silva não intervinha e que nada fazia em termos políticos, o Presidente da República vem provar que está vivo e bem vivo, e, com o espírito de estratega que sempre teve, dando apenas um golpe de cajado, faz rolar várias cabeças daqueles que nunca morreram de amores por ele. Afinal, em política como na vida, amor com amor se paga!

JorgeReis

Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

Pin It