Em dois dias, o Altice Arena encheu consecutivamente para igual número de espectáculos de Roger Waters, o fundador dos Pink Floyd que trouxe até nós uma tournée — “US + Them Tour” — a qual tem transportado algumas palavras de ordem — “Fuck the pigs!”, “Trump é um Porco!” e “Resist” —, também em Lisboa gritadas à exaustão pelos 40 mil que não esconderam emoções nestas duas noites de enorme qualidade musical e de espectáculo, no antigo Pavilhão Atlântico do Parque das Nações, em Lisboa.

No concerto da segunda noite, ao mesmo tempo que os relógios marcavam as 21h surgia atrás do palco do Altice Arena a imagem de uma mulher numa praia, sentada nas dunas de areia olhando o mar, no momento em que o som invade todo aquele espaço, trazendo o barulho do mar e os gritos das gaivotas que ecoam ao redor do público, criando a atmosfera necessária para o que estava para vir.

Pelas 21h15 eis que subia ao palco Roger Waters US + Them Tour, na segunda noite de um Altice Arena esgotado. Com 74 anos, Roger Waters demonstra que soube envelhecer, de corpo seco, enérgico, emotivo e ativista, o antigo baixista dos Pink Floyd continua a produzir magia!

O espectáculo não se resumiu a ouvir o alinhamento composto na sua maioria por canções dos Pink Floyd da década de 1970, permitindo antes o visionamento grandioso de um espectáculo de multimédia que invadiu o Altice Arena.

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"Fuck the pigs!" ...a palavra de ordem de Roger Waters! 

O espectáculo começou com o ilustre Breathe (In The Air), num concerto onde não faltaram as canções do álbum The Dark Side Of The Moon nomeadamente “Time”, “The Great Gig In The Sky”, “Money”, “Us and Them”, “Brain Damage” e “Eclipse”, seguindo-se “One Of These Days”, uma faixa do álbum Meddle dos Pink Floyd. As faixas do seu novo álbum também não faltaram — “Deja Vù”, “The Last Refugee”, “Picture That” e “The Smell The Roses” foram exibidas pela primeira vez ao público português e recebidas com a maior das ovações. 

Durante uma pequena pausa de cerca de 10 minutos o público pôde observar frases com um tópico comum, todas elas a apelar para a “resistência” como "Resist thought control" “Resist war with Iran” “ Resist Alliances with despots and tyrants” “Resist neo-fascim”, “Resist propaganda”, Resist Nikki Haley”, “Resist the slaughter of children in Gaza”, “Resist Israeli Policies”, entre muitas outras, impregnadas do poderoso ativismo do artista.

Um dos grandes momentos do concerto foi permitido, sem dúvida, pelos jovens do Centro Social Comunitário da Flamenga, em Lisboa, a acompanharem “Another brick in the Wall”. Numa primeira fase de capuz, tapando as cabeças e vestindo fatos de prisioneiros, para mais tarde destaparem os rostos, despirem os fatos de macaco e exibindo t-shirts negras onde se lia a palavra-chave: “Resist”.

Na segunda parte uma enorme fábrica tomou conta do espectáculo durante as faixas “Dogs”, com frases fortes a surgirem ao longo da canção, e ainda “Pigs” (The Three Different Ones), mostrando caricaturas de Donald Trump, imagens de guerra, sons de suínos, helicópteros, risos ou explosões escutam-se nas nossas costas e por toda a sala, numa definição de som e imagem que quase nos faz crer que estamos a assistir a um filme na melhor das salas de cinema. Este filme, aliás, foi sempre acompanhado de palavras de ordem promovendo a ação, enquanto que um porco insuflável, exibindo a inscrição “Mantém-te Humano”, sobrevoava sobre a plateia (este elemento foi no passado introduzido nos concertos dos Pink Floyd na década de 70, após o lançamento do álbum Animals). Do álbum Wish You Were Here surgiu a canção intitulada com o mesmo nome, uma balada que colocou o público inteiro a acompanhar cantando com Roger Waters, e ainda Welcome to The Machine.

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Roger Waters, em palco com o guitarrista Jonathan Wilson, também Joey Waronker na bateria, Dave Kilminster na guitarra, fidelíssimo à escola Gilmour, e pelo coro formado por Holly Laessig e Jess Wolfe, membros da banda americana Lucious, permitiu no encore os temas Mother, do álbum The Wall, com o espectáculo a ser encerrado pela mítica Comfortably Numb, canção também presente em The Wall e que exibe um dos solos de guitarra mais sublimes. A encerrar o “filme” surge a  imagem inicial, da mulher nas dunas, à qual se junta uma criança.

O público português esteve à altura de um Roger Waters actual, emotivo, perseverante, dinâmico, sempre crítico em relação aos grandes problemas da actualidade mas mostrando-se cada vez mais afável, tendo feito um apelo inclusive ao público para que aquele espectáculo a que estavam a assistir fosse também uma forma de partilharem o amor pelo próximo, de maneira a evitar ao máximo o de que pior há no mundo, desfrutando assim das melhores coisas que temos na vida.

Roger Waters tem o carisma de líder e parece comandar as massas num comício, o que é contraditório com a ideia de liberdade de pensamento e liberdade individual que preconizam os seus valores que tanto defende. Afinal, ouvindo este homem e perante a realidade que se vive, dá-nos vontade de marchar a seu lado, como soldados.

Na despedida desta segunda noite, afinal a despedida do artista ao público português, Roger Waters agradeceu aos 20.000 fãs, de braços cruzados no peito, imerso na pirâmide de luzes,  murmurando um emocionado obrigado, quando deixava para trás “Us + Them + Roger Waters”, no verdadeiro sentido da palavra.

Recordamos que a primeira passagem de Waters por Portugal aconteceu no Rock in Rio Lisboa em 2006, tendo regressado em Março de 2011 aquando da tour The Wall. Agora, passados mais de sete anos, Roger Waters regressou a Portugal para 40.000 fãs se deliciarem, trazendo consigo o seu álbum a solo lançado há um ano — Is This The Life We Really Want — que, para além do conteúdo a solo, contém um vasto leque do trabalho dos Pink Floyd durante a liderança de Roger Waters, nomeadamente dos álbuns The Dark Side Of The Moon, Wish You Were Here, Animals e, claro está, o álbum que tem a sua maior marca, The Wall. 

Para além da música, ou em complemento a esta, Roger Waters está ligado à campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que apoia um boicote total ao estado de Israel, algo que já lhe valeu várias “desavenças” com artistas que, mais ou menos indiferentes ao que se passa em Gaza, insistem em atuar naquele país. A tudo isto, aliás, Roger Waters responde com uma palavra: “Resist”

Ana Cristina Augusto

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