Distinguir a morna como música ímpar e simbolo cultural de um povo e de um país como é Cabo Verde, eis o propósito da III Grande Gala da Morna, uma iniciativa de Silvestre Fonseca que pelo terceiro ano reuniu no icónico Salão Preto e Prata do Casino Estoril alguns amigos, intérpretes exímios dos ritmos e letras únicas de mornas tão românticas quanto sentidas, capazes de transportar sentimentos mas também a força dos cabo-verdianos. Em destaque, o nome de Antero Simas, homenageado nesta terceira edição da Grande Gala da Morna, ele que faleceu em 9 de Junho do ano passado, nos Estados Unidos, após doença prolongada quando contava 68 anos. Tido como um homem que escrevia e compunha “música com tradição”, tendo sido autor de mais de 40 composições, mas também um exímio guitarrista, fundador de vários grupos musicais e intérprete, era natural da cidade da Praia, onde nasceu a 7 de Outubro de 1952, neto e filho de músicos.

Aos 10 anos de idade, Antero Simas teve o seu primeiro violão e deu então os primeiros passos na música, ele que nunca escondeu uma forte influência dos Beatles, dos The Rolling Stones e, mais tarde, da Bossa Nova brasileira, que passou a ser uma dos seus géneros preferidos. Em meados da década de 1970, quando passou a viver em permanência na ilha do Sal, Antero Simas passou a manter uma forte convivência com um dos mais exímios guitarristas de Cabo Verde, Luís Rendal, e o intérprete de mornas, Tonecas Marta, acabando essas influências por lhe deixarem uma marca profunda também nas suas composições.

0076 Silvestre Fonseca

0127 Artistas participantes

0236 Ana Azevedo

Nesta noite do Casino Estoril, no icónico palco do Salão Preto e Prata, Silvestre Fonseca, o grande impulsionador desta Grande Gala da Morna, que cumpriu agora a sua terceira edição, também ele já apontado como “cabo-verdiano por adopção”, permitiu assim a homenagem a Antero Simas numa noite em que se prestou homenagem, através da música e da saudade, também ao país independente que é Cabo Verde, naturalmente pelos ritmos calmos e inspiradores das mornas. E para o futuro apontou já um projecto: levar esta iniciativa pela diáspora de Cabo Verde na Europa e no Mundo, desafiando a Estoril Sol a associar-se a tão ambiciosa missão.

Ana Azevedo e e Zezé Barbosa foram os primeiros amigos de Silvestre Fonseca a dar conta perante o público das suas interpretações das mornas, seguidos de Ana Lains, ela que não escondeu o seu nervosismo ao interpretar um tema em crioulo, algo que fez com uma perfeição que lhe valeu um enorme aplauso por parte do público. Foi no entanto a prestação seguinte que se revelou um dos momentos de maior significado nesta noite, quando Leonel Almeida avançou para o meio do palco para interpretar dois temas. Sem palavras e com forte emoção, que viria a ser compreendida pouco depois, cantou e encantou, terminando a sua passagem pelo palco descendo dele e vindo cantar para o meu do público, o público a quem sempre se dedicou e pelo qual esteve ali naquela noite, uma noite afinal de dor como revelou. Na véspera desta III Grande Gala da Morna, Leonel Almeida tinha recebido a notícia do falecimento do seu pai, ele que lhe disse um dia que a escolha da sua profissão o obrigaria a cantar para o público mesmo quando estivesse triste por dentro, tão triste afinal como neste dia em que se despedia daquele que mais amou na sua vida.

0508 Zeze Barbosa

0691 Ana Lains e Silvestre Fonseca

1220 Leonel Almeida

Mornas transportam saudade

As mornas de Cabo Verde são uma forma de música e expressão artística profundamente enraizada na cultura do povo cabo-verdiano. Essas melodias melancólicas e emocionantes têm uma mística única que cativa os ouvintes e transmite as emoções mais profundas da vida cabo-verdiana. A história das mornas remonta aos tempos coloniais de Cabo Verde, quando o arquipélago era uma colônia portuguesa. Durante esse período, os cabo-verdianos enfrentavam dificuldades socioeconômicas e muitas vezes eram forçados a migrar para outras terras em busca de trabalho. A música tornou-se uma forma de expressar as saudades de casa, a solidão e a tristeza que acompanhavam essas experiências de vida.

As mornas são geralmente executadas em um estilo musical conhecido como "moda", caracterizado por ritmos lentos e um tom melancólico. Elas são interpretadas principalmente por artistas que acompanham a sua voz com instrumentos como violão, cavaquinho e violino. A voz suave e emotiva dos cantores é o elemento central dessas melodias, que são cantadas em crioulo cabo-verdiano, a língua nativa do arquipélago. Já as letras das mornas abordam temas como o amor perdido, a nostalgia, a separação e a melancolia. Elas evocam uma sensação de saudade profunda, retratando a experiência de estar longe de casa e das pessoas amadas. Ao ouvir uma morna, é possível sentir as emoções e histórias dos cabo-verdianos sendo transmitidas através das notas musicais e das palavras poéticas.

1344 Silvestre Fonseca e Leonel Almeida

1554 Lucibela

2070 Danny Silva

Quanto a esta noite em que as mornas e Cabo Verde estiveram sempre na memória de todos, como esteve também Antero Simas, prosseguiu com uma morna dedicada ao anfitrião da noite, Silvestre Fonseca, com as vozes de Felisberto Andrade e Dani Fonseca. O embaixador Eurico Correia Fonseca também deixou o seu testemunho perante a importância deste evento, tal como o fez o irmão de Antero Simas, ele que agradeceu a homenagem ali feita por todos. Lucibela voltou a preencher a noite com os ritmos das mornas e houve tempo para um sorteio entre o público de uma semana em plena Ilha do Sal, com a sorte a bafejar o possuidor do número 55.

A noite, porém, era mesmo dedicada aos ritmos da morna e quem deu conta disso mesmo em palco foram Dani Silva e Ana Firmino, numa noite em que o português e o crioulo se misturaram de forma harmoniosa e afinal perceptível por todos. Continuando a falar de mornas, a morna mais famosa e icónica de Cabo Verde é "Sodade", composta por Armando Zeferino Soares, mais conhecido como B. Leza. Essa música tornou-se um hino não oficial do país e foi interpretada por vários artistas cabo-verdianos e internacionais ao longo dos anos. Ela encapsula perfeitamente a essência da morna e é reverenciada como um tesouro cultural de Cabo Verde. A influência das mornas na cultura cabo-verdiana é profunda e abrangente. Elas são um símbolo de identidade e um meio de preservar as tradições e histórias do povo cabo-verdiano. Através das mornas, os cabo-verdianos mantêm uma conexão com sua herança e expressam sua rica cultura musical para o mundo.

2404 Ana Firmino

2747 Ines Fonseca com Silvestre Fonseca e Carlos Alberto Moniz

3118 Silvestre Fonseca Emilio Lobo

Em suma, as mornas de Cabo Verde são mais do que simplesmente canções tristes. Elas são um tesouro cultural que captura a alma e a essência do povo cabo-verdiano. Essas melodias melancólicas têm uma mística única e uma capacidade incomparável de transmitir emoções e contar histórias. Através das mornas, a cultura cabo-verdiana encontra sua voz e continua a encantar e inspirar pessoas em todo o mundo, tal como encantou e inspirou o público desta noite no Salão Preto e Prata do Casino Estoril que ali celebraram Cabo Verde e a sua música bem como, naturalmente, a sua cultura, prestigidas pelos amigos de Silvestre Fonseca numa noite encerrada com as vozes de Carlos Alberto Moniz e Inês Fonseca, filha de Silvestre Fonseca, num dueto que encantou e que fechou com chave de ouro uma noite ímpar de “sodade”! Até para o ano!

Jorge Reis
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